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Sinfonia de Ébano e Carmesim: Um Idílio Poético sob a Égide de Saturnália
A gélida carícia de dezembro envolvia a metrópole, transformando cada floco de neve num diamante fugaz sobre as vidraças neblinadas do sótão que abrigava Wanda, a poetisa de versos cinzelados em melancolia e fulgor. Não era apenas o frio que lhe arrepiava a epiderme; era a expectativa, essa víscera sutil que se contorcia ao compasso dos sinos natalícios que anunciavam o iminente regresso do seu próprio Cântico dos Cânticos. ❤️✨

Ele, Peter, o seu epítome do esplendor e da doçura, era a antítese poética da própria noite: um vulto esculpido em mármore coruscante, com a voz grave como um violoncelo em concerto e os olhos, ah, os olhos de um azul tão profundo que neles se podia naufragar sem resgate.❤️ Peter era o poeta que tecia a luz, e Wanda bordava a sombra; juntos, eram a perfeita e volúvel dionísia do verso.🪶📜🍷

Naquela véspera, enquanto o aroma de pinho e especiarias adentrava a soleira, Wanda traçava com a ponta do dedo um arabesco sobre o vidro opaco, um monograma que era a cifra do seu tormento e êxtase. Eles se amavam com a voracidade dos amantes condenados, com a exuberância febril de quem sabe que a plenitude é efêmera, sobretudo sob a égide desse Natal que, a cada ano, avivava a memória de uma mágoa antiga, um desencontro espectral tecido nas entrelinhas de um antigo pacto.⚡✒️

O som inconfundível dos passos na escada fez seu coração dar um salto que lhe suspendeu a respiração. A porta abriu-se num arquejo de vento, e ali estava ele, envolto num sobretudo escuro que ressaltava a alvura imaculada do seu pescoço.
”Wanda,” murmurou Peter, a voz um suspiro que se materializava em névoa no ar frio. “O teu silêncio é o mais eloquente dos poemas que jamais ousaste publicar. Ele me atrai como a abissal certeza atrai o filósofo.”
Ela não respondeu de imediato. Deixou-se inebriar pela visão, pelo modo como a luz filtrada da lanterna trespassava o fio de ouro no seu cabelo.
“Peter,” respondeu ela, por fim, com uma inflexão que era ora seda, ora ferro. “Regressas como o Solstício: previsível na tua beleza, mas sempre devastador. Onde reside, dize-me, a tua alma neste interlúdio de festa? É ela a fogueira que me aquece, ou a cinza da promessa que não se cumpriu?”
Ele avançou, fechando o espaço entre eles com a lenta e deliberada graça de uma pantera. A proximidade era uma eletricidade muda, uma voltagem que ameaçava desintegrar a estrutura frágil de sua resistência.
”A minha alma,” ele sussurrou, a mão já na curva do seu pescoço, o polegar roçando a pele macia sob o queixo, “reside onde a tua sempre a aprisionou: nesse teu olhar de safira e fogo-fátuo. Wanda, esta época é um cadinho. Ela não forja o amor, ela o desnuda. E tu sabes que a nossa verdade é uma devassidão necessária.”
O toque dele era o argumento mais sedutor. Ela sentiu o frio do Inverno ceder à labareda que sempre acendiam juntos. O Natal era o seu palco, o cenário para a revisitação anual do seu mistério amoroso, e a alegria externa servia de cruel contraste à melancolia íntima. A mágoa era a recordação de um adeus imposto pela vida, não pelo desejo; um hiato que a cada dezembro tentavam, em vão, suturar.💗

Seus lábios se encontraram então, num ósculo que era a síntese de todo o alto drama, a quintessência do desejo reprimido e libertado. Era um beijo, uma troca de versos de corpo, um soneto visceral onde a pontuação eram os suspiros e a métrica, a cadência acelerada dos corações.❤️❤️

Naquele abraço, sob a pálida luz da Saturnália burguesa, Wanda e Peter celebravam o seu pacto secreto. Eram a beleza e o sofrimento intrinsecamente ligados, provando que o mais alto e complexo amor não é aquele que ignora a dor, mas aquele que a metamorfoseia em poesia, eternizando-a num idílio de ébano e carmesim, a sangrar no coração da Noite Santa. ✨❤️

